E a Moda, o que é? O que é a Moda?
O livro “A Moda” da jornalista Erika Palomino explica
Durante muitos anos, Erika Palomino escreveu sobre moda no jornal Folha de São Paulo. Era a minha coluna preferida, desde os 11 anos de idade (isso era 1997), e moldou meu interesse por Moda, enquanto criança/adolescente no interior de São Paulo. Sempre acompanhei a carreira da Erika, hoje diretora do Centro Cultural de São Paulo. Excelente profissional. Com respeito e admiração, reproduzo partes do seu livro “A Moda”, da coleção Folha Explica. Digitei trechos há anos atrás, na faculdade de Design de Produto, estudando moda independentemente. – Saudações, Erika. Sou fã, obrigada por tudo!
Capítulo 1: O que é a moda afinal?
- “A palavra “moda” vem do latim modus, significando “modo”, “maneira”. Em inglês, moda é fashion, corruptela da palavra francesa façon, que também quer dizer “modo”, “maneira”.”
- “… a moda não é algo universal. Os povos primitivos, por exemplo, desconhecem o conceito – apesar de muitas vezes acharmos muito bonitos os vestidos de uma ou outra tribo africana, por exemplo. Tampouco a moda é algo que existe há muito tempo: no Egito antigo, por exemplo, nada mudou num período de 3 mil anos.”
- “O conceito de moda apareceu no final da Idade Média (século 15) e princípio da Renascença, na corte de Borgonha (atualmente parte da França), com o desenvolvimento das cidades e a organização da vida das cortes. A aproximação das pessoas na área urbana levou ao desejo de imitar: enriquecidos pelo comércio, os burgueses passaram a copiar as roupas dos nobres. Ao tentarem variar suas roupas para diferenciarem-se dos burgueses, os nobres fizeram funcionar a engrenagem – os burgueses copiavam, os nobres inventavam algo novo, e assim por diante. Desde seu aparecimento, a moda trazia em si o caráter estratificador.”
- “Naquela época, não havia sequer sombra do conceito de estilista ou costureiro. Somente no final do século 18 uma pessoa seria responsável por mudanças “assinadas”, quando Rose Bertin ficou famosa por cuidar das toilletes da rainha Maria Antonieta (1755-93) – célebre pela vaidade, extravagância e gosto por grandes festas.”
- “Na sociedade democrática do século 19, apareceram necessidades mais complexas de distinção (…). A moda passou também a atender às necessidades de afirmação pessoal, do indivíduo como membro de um grupo, e também a expressar idéias e sentimentos. Antes, não havia distinção entre os tecidos usados por homens e os usados por mulheres; é no século 19 que o vestuário desses dois grupos se afasta cada vez mais (restrito para os homens, abundante para as mulheres, donde a moda ser mais comumente associada às evoluções do vestir feminino).”
- “Por outro lado, no começo do século 20, a roupa caracteriza certo tipo de trabalho, e só a partir dos anos 60 se inicia o que se define como uma segunda etapa do vestuário contemporâneo, com novos valores entrando em cena.”
- “Há uma corrente de pensamento, liderada pela historiadora Anne Hollander, que chama de não-moda o dia-a-dia do vestuário, essa roupa que se usa para trabalhar, ir à faculdade, passear.”
- “Mas nem toda moda está conectada com leituras políticas ou sociais – simplesmente porque as pessoas às vezes usam coisas sem motivo, conforme explica Hollander. Daí o caráter volátil da moda. Ainda segundo Hollander, o significado social da moda está confinado ao fato de quem usa o que em determinado momento, e não por que se usa.”
- “… a moda é vista também como algo feito para iludir e enganar, para ajudar no disfarce de ser alguém que, na verdade, não se é.”
- “A ‘ditadura da moda’ é um conceito que alcançou seu ápice nos anos 50 e lá se cristalizou. Dois grandes terremotos jovens, nos anos 60 e nos anos 90, pulverizaram essa idéia, mas ela ainda não se dissipou do pensamento do cidadão ocidental médio.”
- “Para o francês Gilles Lipovetsky, pensador que mapeou a fascinação da moda pelo novo, o grande período da moda foi de 1850 a 1970, quando ocorreram as grandes revoluções de estilo que marcaram a aparência feminina moderna. Segundo Lipovetsky, a roupa foi emblemática de posição social por séculos, mas hoje deve ser essencialmente prática. De acordo com essa tese, a atuação da moda vai encontrar mais eco como objeto de sedução.”
- “Conforme disse numa palestra o presidente da DuPont, Steven R. McCracken, a moda, terminado esse período de mudanças formais, deverá trazer inovações de cunho tecnológico, como, por exemplo, os tecidos inteligentes.”
- “… só com a tecnologia a moda vai recuperar sua relevância no futuro.”
Capítulo 2: O planeta fashion: como a moda é praticada no mundo
- Alta-costura; Charles Worth (1825-95); própria maison; criava roupas para novos-ricos e pequenos burgueses; “estilista imperial” da mulher de Napoleão III; “o estilista tinha agora um status de criador supremo, diferentemente das costureiras e alfaiates.”
- “Worth foi quem definiu que devia haver duas temporadas no ano, acompanhando as estações e, portanto, as mudanças climáticas. Além disso, ao ter mudado a imagem do vestuário e proposto novidades a cada estação, Worth fez nascer também o desejo da compra – força motriz da moda como um todo. Ao final do século 20, com a alegada crise das idéias (revivalismo etc.), muitas vezes as temporadas não mudam tanto assim de uma para outra, e há mais evolução do que revolução. De quando em quando, alguém sugere que haja somente uma temporada anual, mas até agora isso não aconteceu, apenas o estilista Miguel Androver, que desfila em Nova York, embarcou nessa idéia. Provavelmente nem vai, já que a autofágica engrenagem de mudança da moda precisa desse vaivém para sobreviver.”
- “O conceito de ready-to-wear teve sãs origens no período entreguerras. Depois da crise de 1929, os EUA passaram a cobrar um imposto de 90% sobre as ropas importadas da França (as americanas adoravam trazer de Paris seus vestidos de Elsa Schiaparelli, Madeleine Vionnet, Coco Chanel ou Jean patou). Após a Depressão, só era permitido importar para o país telas e moldes. Essa restrição levou ao desenvolvimento de uma técnica de reprodução que se baseasse nessas telas e moldes. Os modelos, com estrutura simplificada, podiam ser finalmente fabricados em diversos tamanhos, e os progressos dos materiais sintéticos permitiam que aquelas roupas fossem executadas a custos mais baixos do que as feitas com tecidos nobres da alta-costura, liberando para uso materiais menos exclusivos.”
- As quatro capitais da moda:
- Nova York: comercial; “os desfiles em Nova York têm uma proposta comercial, muito básica, em que prevalece uma moda sóbria. A ‘elegância americana’ é bastante conservadora”
- Londres: excelentes escolas de moda; celeiro de talentos
- Milão: “a temporada de Milão representa a tradição da manufatura, as empresas familiares (a força da famiglia) e uma incrível capacidade de combinar marketing de moda com criação.”
- Paris: “é a criação, o lúdico, o glamour, mas também o caos. (…) Em Paris, não existe crachá nem tipo nenhum de credencial pra entrar nos desfiles.”
Capítulo 4: Subvertendo a ordem das passarelas: a moda que vem das ruas e a importância da juventude
- “Atualmente, é preferível usar ‘grupos’, ou mesmo ‘subgrupos’, em lugar de tribo isso porque o próprio conceito de tribo caducou. O que derrubou a tribalização foi a consolidação do conceito de ‘spermercado de estilos’. Esse nome foi criado na década de 90 pelo historiador inglês Ted Polhemus, e sua idéia central é muito importante para a compreensão da moda das ruas. Segundo Polhemus, ‘supermercado de estilos’ é como se todo o universo, todos os períodos que você jamais imaginou, aparecesse como latas de sopa numa praetleira de supermercado: ‘Você pode pegar os anos 70 numa noite, os hippies em outra […], um moicano punk e um rímel dos anos 60 […] e, pronto, você tem a sua própria e sincrônica amostragem de 50 anos de cultura pop’.”
- “Graças a essa mistura de informações visuais e à ausência total de preconceitos, junto á legítimas e criativas soluções de moda (o dinheiro sempre curto dos jovens…), o prêt-a-porter e a alta-costura vêem que há motivos de sobra para prestar atenção na juventude. Além disso, ela é um valor a perseguir: todo mundo quer ser jovem, sentir-se jovem, vestir-se com a roupa dos jovens.”
- Clubwear = streetwear; surge nos anos 80; hip-hop americano; clubbers ingleses; cresce nos anos 90.
- Old School (“Velha Escola, mas também corruptela sonora para old is cool, “o que é antigo é legal”)
- Skatewear: por sua vez, assume o oversized (acima do tamanho) como estrutura básica
- Anos 90: esportivo; tênis como calçado oficial da juventude; esqui, snowboard, surfe, motocross
- “Em rigor, a palavra ‘customização’ nem existe em português. Vem da expressão inglesa custom made, que significa ‘feito sob medida’. O verbo to customize é ‘fazer ou mudar alguma coisa de acordo com as necessidades do comprador’. O processo apareceu como reação á entediante logomania de fins da década de 90, quando tudo o que importava precisava vir com marca de grife. Alguém chamou isso de moda de duty free, já que o nome da Maison devia estar em letras garrafais, como nas peças á venda nessas lojinhas de aeroporto. Naquele momento, vivia-se a glorificação do status e de uma moda calcada em ícones de riqueza.”
Capítulo 5: O século 20: a herança definitiva
- Anos 40. “As pessoas têm uma caderneta que acompanha o número de metros de consumo têxtil anual. A partir de 1940, é proibido gastar mais do que quatro metros para o mantô e um metro para a camisa (as grávidas ficam liberadas dessa determinação). Os cinto de couro não podem ter mais de 4 cm de largura. As roupas são recicladas, e popularizam-se os sintéticos, como, por exemplo, a viscose, extraída da celulose. As restrições estimulam também a criatividade da indústria nos EUA, possibilitando o surgimento de um novo gênero, o eficiente sportswear americano, capitaneado pela estilista Claire McCardell (1905-58).”
Capítulo 6: Moda no Brasil
- Anos 90. “naquela época, os desfile aconteciam, claro, mas só para os profissionais do ramo – imprensa especializada, modelos, compradores mais fiéis de cada grife. Nem estavam definidos ainda os períodos de lançamento de cada estação. Não havia uma ‘semana oficial’. Do primeiro ao último desfile de cada temporada, muitas vezes se passavam quatro meses, não havia calendário. Também ficava impossível definir tendências locais, pois todas vinham (copiadas) de paris, já estabelecidas. E pior: vinham ao contrário, já que o inverno do hemisfério norte é o nosso verão. Adaptávamos na hora o que os franceses decidiam que seria a moda para dali a seis meses um verdadeiro samba do crioulo doido”.
- “Data de 1901 a primeira iniciativa de fabricar produtos voltados para o clima brasileiro: sapatos feitos na Escócia a partir daí, começou-se aos poucos a fabricar calçados e roupas também no Brasil.”
- “É a partir de então que começamos a sair do jugo francês. O catalisador das mudanças foi o clima. Aos poucos, sem renunciarem à herança da cultura européia, os brasileiros decidiram assumir sua ‘ecologia tropical’. O estopim foi o movimento regionalista que, irradiado de Recife na década de 20, pretendeu dar destaque positivo à cozinha do Nordeste (por meio da culinária afro-brasileira) e à medicina e (pioneiramente) à moda feita em território nacional.
- Teve início uma valorização de elementos característicos do tropicalismo brasileiro, com eco no movimento modernista do eixo Rio-São Paulo. Os recifenses influíram decisivamente na adoção de um vestuário apropriado para o clima brasileiro, substituindo o traje europeu. Os homens deixaram de usar chapéu, e o paletó não era mais imperativo para o trabalho e o lazer. Sandálias e sapatos mais esportivos entraram em voga, as roupas de banho foram liberadas, e apareceram novas modas de vestidos e mesmo de penteados.
- O modernista Flávio de Carvalho (1899-1973) protagonizou dois grandes momentos da moda na cultura brasileira. No primeiro, a “Experiência nº2”, de 1931, saiu andando com a cabeça coberta por um boné de veludo em sentido contrário, numa procissão de Corpus Christi (recusou-se a tirar o boné, o que consideraram um ato anti-religioso). Quase foi linchado. Depois, em 1944, começou a escrever sobre o que chamava de “estupidez” dos trajes masculinos nos trópicos. Seus estudos levaram à experiência no mesmo ano, quando desfilou pelas ruas de São Paulo com o “traje de verão” proposto por ele para o homem brasileiro: blusa de náilon listrada de verde-amarelo, saiote pregueado verde, sandálias de couro, chapéu transparente e meia arrastão. Por baixo da blusa, um tipo de tubo de ventilação, que a deixava bufante.”
- “(…) um paraense radicado em Fortaleza, Lino Villaventura, lançava suas sementes. Era o ‘mais brasileiro dos criadores’ e fazia questão de assumir suas origens a cada costura, nervura ou bordado.”
- “Muitos sentiam até certo constrangimento por suas raízes brasileiras aos poucos, entretanto, a exuberância amazônica de Lino o transformou num orgulhoso ídolo da estética made in Brazil.”
- “Em 2000, o clima era de euforia. Nunca se ouvira falar tanto de moda brasileira no mundo, o que virava pauta de reportagens e editoriais de moda. Aos poucos, começaram a vir os jornalistas estrangeiros. Primeiro o interessados mais na festa que na passarela, e depois os sérios, preocupados em reportar a ebulição que, de fato, acontecia por aqui.”
- “Para tentar consolidar a temporada brasileira, saiu de cena o Morumbi Fashion Brasil e entra a São Paulo Fashion Week. A primeira edição do evento, com novo nome, acontece em janeiro de 2000, com as coleções de inverno. A idéia é também desconectar da dinâmica de shopping a cultura de moda no país, algo que os jornalistas internacionais não entendiam.”
- “Uma nova realidade têxtil. A indústria saiu fortalecida, depois de um investimento de US$ 6 bilhões em modernização do parque fabril, tecnologia e treinamento, feito de 1996 a 2001 de abril a setembro de 2001, a cadeia produtiva têxtil gerou aproximadamente 25 mil postos de trabalho, num contingente total de 1,4 milhão de trabalhadores, espalhados por 22 mil empresas em todo o país. A meta do setor é voltar aos número de 1980, quando as exportações brasileiras respondiam por 1% do comércio mundial de têxteis naquela época, esse comércio gerava em torno de US$ 100 bilhões, e as exportações brasileiras chegavam, portanto, a US$ 1 bilhão. Hoje, são negociados em todo o planeta cerca de S$ 350 bilhões, e o PIB têxtil brasileiro é de US$ 20 bilhões.”
- “O estilo brasileiro. Entramos no século 21 como um mercado propício para a moda e devemos definir o que seria um estilo brasileiro. Ele deve estar menos na utilização de materiais e inspirações da cultura brasileira e mais numa base que abarque as próprias contradições do país: o uso da manufatura associada à tecnologia (como, por exemplo, nos vestidos de Walter Rodrigues feitos com as rendeiras do Piauí, trabalhando com Lycra e renda); o artesanato de apelo global (Lino Villaventura); a sensualidade inerente ao corpo dos brasileiros; e, principalmente, um olhar brasileiro. Num mercado internacional unificado, é esse olhar – fragmentado, pós-moderno, sexy – que pode fazer com que o país dê uma contribuição relevante em escala internacional.
- Não estamos mais nos anos 80 ou 90, quando o exotismo era lei. Os estilistas brasileiros não precisam carregar seus passaportes nem levantar a bandeira verde-amarela o tempo todo. O país deve funcionar como herança cultural e DNA, não como folclore ou traje típico. O mais importante hoje é ficar atento às mudanças de mercado, trabalhar um marketing eficiente, investir na qualidade e no design autoral. Devemos ser íntegros, verdadeiros, criativos. É esse o caminho da nova moda brasileira. A temporada de verão 2006 viu um reforço da auto-estima na moda brasileira.”
Referências
- PALOMINO, E. A moda. São Paulo: Publifolha, 2003.
- @erikapalomino